sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Do tempo, para a vida toda.

Às vezes me pego sozinho na cama a olhar para o teto como um completo autista e pensando em como alguém decide falar um "pronto, vou fazer isso para minha vida". Não digo fazer algo qualquer como jogar futebol com os amigos ou sair para tomar aquela cerveja despretensiosa na hora do jogo, mas algo que começa a gostar de verdade. Algo pelo qual se apaixona todos os dias da semana e quer porque quer estender isso para frente, para todos os dias da sua vida. Algo que lhe cabe como um vício. Algo como escrever, por exemplo.

Com certeza um dos fatores que ocasionam isso é o amor. Quem não concorda que os apaixonados viram poetas? Se não balançou a cabeça positivamente, pelo menos se esforce para voltar em alguns momentos da sua vida e relembrar alguns momentos. Vamos transformar esse texto numa máquina do tempo.

Era quarta série do ensino fundamental e você estava na escola. Óbvio que tinha aquela pessoa que sentava na segunda carteira, quase perto da professora, que fazia seu coraçãozinho bater na garganta. Foi a primeira pessoa que fez você perder a vergonha para escrever aquele versinho bonitinho que ouviu no filme do Menino Maluquinho e colocar na mochila dela na hora do recreio. E temos que concordar com algo do ambiente escolar: todos adoram a hora do recreio. É nesse momento que você corre para oferecer um pedaço do seu pastel a ela. Todos sabem que se pedisse o lanche inteiro você entregaria por um mísero beijo no rosto. E se recebesse o tal beijo, ficaria uma semana sem lavar o rosto, até que sua mãe brigava e te jogava embaixo do chuveiro.

Agora mudou. Você cresceu e alcançou as tão esperadas festinhas de 15 anos. E quem não se lembra das famosas rodinhas de dança, todos esperando o momento de tocar a música “vitrine”, do latino. Isso só para chegar na parte do “thururururu” e assim conseguir achar uma boa desculpa para chegar perto daquela sua paquerinha que você namora escondido durante o primeiro ano e que vai ser lembrada pelos rabiscos no caderno, pelas letras de música e pelos corações com as iniciais de vocês dois. E a vergonha que tinha caso a pessoa descobrisse?

Finalmente entrou na faculdade. E não é que a vergonha foi espantada quando fez seus dezoito anos? Agora você inibe ela com cerveja. É tiro e queda! Chega na calourada do seu curso, enche o copo diversas vezes só para “entrar no clima” (nunca entendi o que significa essa frase) e cria coragem para falar com aquela sua veterana pela qual tem uma queda desde o primeiro dia que colocou os pés naquela universidade. Sim, aquela que te fez adiantar as matérias de redação e português só para ter um texto bacana que dê para dizer tudo o que ela te fez sentir em tão pouco tempo de convivência. E seu pai acha que você está virando um estudioso. Mal sabe ele que o nome disso não é dedicação, é amor.

E finalmente volta ao dia de hoje, que já se passaram alguns anos desde o primário, a escola e a faculdade, mas que por algum motivo você não parou de escrever. Muito pelo contrário, escreve mais e mais. Além de mania, virou um vício. Mas um vício amigo, pois foi exatamente a escrita que te ajudou em diversos momentos da sua vida: quando estava com vergonha, quando estava inibido ou apenas com um coração partido. Ela já é incorporada em você, pois não sabe onde começa e onde termina. É como falar.

Nossa, agora consegui me lembrar do porquê que eu comecei a escrever. É porque eu tinha medo de falar.


André N. Bueno

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Vamos marcar?

Voltando do trabalho, até que a mulher liga para aproveitar e dar uma passadinha no supermercado, que fica no caminho de volta, e comprar algumas coisas que faltam em casa. Após uma volta no mercado, os olhos prendem a atenção no segundo corredor, naquela fileira dos objetos de limpeza, eis que vê um rosto familiar mexendo nas garrafas de Pinho Sol.

Era o Edu, aquele seu amigão de infância. Vocês estudaram todo o ensino fundamental e médio juntos, mas, mesmo sendo inseparáveis, se afastaram por conta da faculdade. Ele foi para uma universidade em outro estado e acabou por fazer toda uma vida lá e vocês, mesmo sem querer, perderam contato. Tinha arrumado emprego, uma família e até tido um filho, mas estava de volta por conta de uma transferência do trabalho. Como o tempo foi razoável com ele e não mudou quase nada, aumentava ainda mais as lembranças dos tempos de coleguismo.

Você já teve aquele amigo que sabia de todos os seus segredos e vivia tanto na sua casa que sua mãe já considerava como filho? Então, o Edu era esse amigo. É uma daquela típica amizade que já não distingue casa, pois, de tão íntimo que a pessoa já é, se vê no direito de ele mesmo abrir a geladeira para pegar as coisas.

Então foi lá falar com ele e ver se ele lembrava tanto dos momentos da juventude tanto quanto você. Afinal, não é possivel que tenha esquecido dos melhores momentos de suas vidas. E, além disso, foram apenas quinze anos que se passaram. (Caramba, apenas quinze?). Quinze anos, mas com as memórias tão frescas que os fatos parecem ter acontecido há quinze dias.

Ele lembrava de você sim, e muito bem. Papo vai, papo vem, e as histórias engraçadas, como sempre, são revividas. Como aquela do seu primeiro beijo. Se lembra? O Edu estava lá. Aliás, foi ele que arrumou aquele "encontro" no recreio com a garota mais cobiçada da escola, regado à Coca-Cola e salgadinho, lá no parquinho das crianças, escondidos na casinha. Não dá pra esquecer.

Falavam da nova vida, dos passos dados e do que foi feito nesse tempo todo.

Os carnavais, as viagens e as furadas em que vocês entraram? Ah, como já fizeram besteiras juntos. Se aquela promessa de fazer silêncio nunca tivesse sido feita, daria para preencher a coleção inteira da Barsa só com os momentos que entraram em "frias". Isso sem contar do dicionário de neologismos, aquelas bobeiras que não cansavam de falar.

Tantos momentos relembrados em pouco tempo de conversa, chega a hora da partida. A conversa dura até na fila do caixa e, após pagar a conta, confessam "sem jeito" que o bate-papo poderia ter perdurado mais e prometem combinar de marcar alguma coisa com mais calma e, aí sim, relembrar todos os momentos. Os melhores momentos de suas vidas. Depois saem ambos de cabeça erguida cada um pro seu lado, com um sorriso que só quem já teve uma amizade dessa pode ter, e pensando: "Pô, esse sim é um cara bacana".

Um tempo de caminhada, eis que você se dá conta da burrada e diz: "Cacete, esqueci de pegar o número dele! Tomara que ele tenha Facebook."


André N. Bueno

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Conversa de Casal

Era noite e Fernanda chegava do trabalho. Visivelmente cansada, estava a semana inteira preocupada com a falta de diálogo com o Luís, seu marido, o que a fez chegar em casa já enfurecida, soltando fogo pelas "ventas". Por coincidência, encontra o dito cujo sentado à mesa e, obviamente, já o metralha com um monte de questionamentos:

- Luís, o que está acontecendo com a gente? É sério, estou começando a ficar preocupada. Eu chego em casa todo santo dia e encontro você aí nessa cadeira, olhando para essa porcaria de televisão e zapeando todos os canais com essa porcaria de controle remoto. Toda vez é a mesma coisa. A gente não conversa mais. Nunca mais. Nem uma palavrinha sequer. Como pode isso?

Só para sua informação, eu li num livro desses aí que as mulheres precisam falar sete mil palavras por dia. Ouviu? 7000 palavras. Nosso caso está tão sério, mas tão sério, que se a gente conversa umas três frasezinhas por dia já é muito. Se nossas conversas fossem sexo, seria como naquelas vezes que a gente... que você... bom, deixa isso pra lá.

E mais. Nós somos casados, Luís. Ca-sa-dos. Não é só fidelidade que eu preciso. Também preciso de atenção e carinho. Preciso de alguém que pergunte como foi o meu dia. Que me diga palavras bonitas sem eu precisar dizer nada. Nos nossos votos, prometi ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos separe. Mas não me lembro em nenhum momento de ter prometido ser fiel no "silêncio e na falação".

Eu tô falando de verdade. Se eu falei isso sem notar, no "calor" do momento, vou ter que ir àquela igreja pra ter um papo sério com o padre e tentar desfazer isso. Aliás, acho que vou fazer isso mesmo, viu. Pelo menos, na pior das hipóteses, ele vai me escutar, né. Luís, ô Luís, você tá me ouvindo?

É, sério... acho que se isso continuar, vou começar a fazer uma greve de sexo e...

(Fernanda é interrompida abruptamente por Luís antes mesmo de terminar sua fala)

- Tá bem, amor, eu converso com você... só espera eu terminar de jantar.
- Ah, agora também não quero mais não, já falei demais.


André N. Bueno
@dedenb

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Amor à Primeira Vista.

Nossa, me sinto como se essa fosse a primeira vez que me encontro com você. Opa! Mas não é que esse é nosso primeiro encontro mesmo? Brincadeira, eu não esqueci dele não. Aliás, eu lembro disso a todo momento e sofro por antecipação. Até tento esquecer um pouco para continuar fazendo aquelas coisas chatas do meu dia a dia, em vão. É exatamente quando aquele friozinho na barriga aparece para me lembrar. Me lembra que tenho relógio e me obriga a ficar contando as horas para um dos momentos mais - senão o mais - esperados da semana, ou do ano, ou da vida. Da minha, pelo menos. Eis que surge a aflição da tal primeira impressão.

Será que você vai gostar de mim de primeira ou vai me achar metido? Poxa, muitas pessoas já disseram que de primeira me acharam um pouco metido, mas depois voltaram atrás. Será que nossos gostos vão bater? Gosta de filmes? Eu sou fanático. Me acompanha em todas as vezes que for? Prometo que compro a pipoca e guardo seu lugar quando precisar ir ao banheiro. Pra que time você torce? Droga, você não torce pro Vasco? Tá tudo bem, eu também não sou fanático por futebol. Será que meu papo vai ser interessante para você? Se ficar com sono me fala que eu compro um café. Não liga muito não, tá? É porque eu estou mesmo um pouco nervoso. E, quando nervoso, fico fazendo essas piadinhas sem-graça mesmo. É quase minha válvula de escape.

Desculpe pela chuva de perguntas. O fato de ser de perguntas também não ajuda em muito, mas é porque realmente queria saber mais sobre você. Saber onde mora, o que gosta de fazer e se posso fazer tudo isso contigo. Queria saber se você vem sempre aqui (Essa cantada, sério?). Não, não, dessa vez nem tô falando dela não. E estou um pouquinho envergonhado para fazer qualquer abordagem desse tipo. Mas gostaria de saber mesmo. E que horas que chega aqui? Prometo que na próxima vez colocarei a minha melhor roupa e pegarei revistas para decorar suas frases mais bonitas. O que estou falando... Sei que quando estiver me aproximando vai me dar um branco daqueles e vou começar nosso papo de novo com aquele sorriso amarelo de timidez. Perto de você sou quase uma criança se escondendo atrás da saia da mãe.

Minha timidez pede desculpas. Eu costumo falar bem. Muito, até, mas hoje estou contendo a minha língua. Deixar você falar um pouco mais hoje é a minha tática para tentar te deixar à vontade. Conhecer o seu jeito é a melhor forma de eu planejar o meu próximo passo. Saber o que dizer sem dar com a língua entre os dentes. Te deixar sem graça para então elogiar o seu sorriso e saber quebrar o gelo na hora que citar o "ex". No entanto, para um próximo passo, é preciso que eu não saia da direção certa, entende? Essa minha primeira impressão talvez seja a minha única chance de impressionar.

Não quero perder oportunidade nenhuma que a vida me dá. Dizem que as coisas não vem por acaso e nem precisam ter razão ao acontecer. Confesso que eu não estou aqui por acaso e com certeza você também não passou por mim por alguma razão específica. Era pra ser assim: Minha timidez com sua beleza e meu silêncio para um possível e futuro passo (Isso é, se minhas pernas pararem de tremer) de mãos dadas. Sei que parece ser muito abuso - eu também acho que é -, mas, mesmo depois de tudo isso, me deixaria fazer uma última pergunta? Você acredita em amor à primeira vista? Pois é, acredite. Eu também não acreditava até hoje.


André N. Bueno

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Ah, se meu travesseiro falasse.

Uma certeza que tenho: se meu travesseiro fosse gente, não há dúvidas de que morreria de vergonha dele. Já foi cada cena presenciada. Foram tantas confissões, declarações ultra-sigilosas, orações sinceras, choros escondidos, sem contar nos pensamentos despretensiosos, que são incontáveis. Dá para falar com propriedade que se melhor amigo é aquele que te consola e que passa os momentos mais singulares da sua vida, eu sou o melhor amigo do meu travesseiro.

Ele é um amigo estranho, confesso. Meio caladão, não costuma falar muito sobre as coisas da vida, não está muito antenado com os acontecimentos do mundo e sequer sabe quem foi o vencedor do último campeonato brasileiro ou do último BBB. Mas eu não reclamo, afinal nem sempre os que mais falam são os que tem os conselhos mais sábios. Em compensação, ele é um excelente ouvinte. Pra falar a verdade, nunca vi ninguém ouvir tão bem quanto ele, e sabe o porquê? Por que ele afaga enquanto te ouve. E se tivesse mãos, com certeza também faria cafunés.

Afagos, cafunés, consolos e confissões. Algo estranho acontece. Essa amizade está caminhando para outro lado, e a marcar território. Não é difícil perceber isso. Não é mistério pra ninguém: amigo escuta, mas zoa; consola, mas briga; atura, mas fica bravo. Amigo não consente suas opiniões facilmente, porque tem o direito e o dever de discordar. Isso não parece amizade. Mais parece um jogo de batalha naval.

Algo peculiar é sua aparência. Costuma ser 8 ou 80, não tem meio termo. Isso me atrai bastante, porque odeio tudo que é frequente e comum. Odeio rotina. E, mesmo sendo muito pálido, ou costuma se vestir para um réveillon, todo de branco, ou para um show do Calypso, uma miscelânea de cores com estampas esquisitas. Um detalhe importante: sempre amarrotado. Olho pra ele e noto que não está nem aí, e que nem se importa com isso, pois está bem com o que ele se propõe a ser. Me ensina que não importa o que existe por fora. O que tem fora é casca; rasga, suja e, por isso, torna-se totalmente substituível. Totalmente diferente do que há por dentro, que vicia e cria dependências físicas e psicológicas mais fortes que qualquer alucinógeno existente por aí. E de graça, praticamente.

A dependência é um tipo de sentimento. Não é nada pequeno, muito pelo contrário: é bem forte e às vezes se confunde com amor. O primeiro encontro é fundamental. Se bateu a química, já era. Vai abraçar, agarrar e dormir junto todos os dias, e com a certeza de que não seremos traídos. Ou você acredita em traição por parte de alguém que te leva pra cama todos os dias e espera ansiosamente a sua volta, e com seu cheiro? É uma tara. Sem dúvida o mais ninfomaníaco dos objetos. Um exemplo clássico de fidelidade feudal.

A partir do momento em que sabe todos os meus segredos, seu conforto se torna desconfortável. Seus ensinos e sua intimidade e meu cheiro, todos juntos num mesmo lugar. Seu princípio de amizade e seus acertos desconcertantes. Todos os ensinamentos e suas singularidades comigo. Todos os momentos juntos e juntos num só momento. Sua vontade de estar comigo em todos os lugares, a todos os instantes. Se meu travesseiro fosse uma pessoa e falasse, eu ficaria com dores de cabeça e frios na barriga, e eu nunca ficaria deitado, pois estaria de joelhos.


André N. Bueno

@dedenb