segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Vamos marcar?

Voltando do trabalho, até que a mulher liga para aproveitar e dar uma passadinha no supermercado, que fica no caminho de volta, e comprar algumas coisas que faltam em casa. Após uma volta no mercado, os olhos prendem a atenção no segundo corredor, naquela fileira dos objetos de limpeza, eis que vê um rosto familiar mexendo nas garrafas de Pinho Sol.

Era o Edu, aquele seu amigão de infância. Vocês estudaram todo o ensino fundamental e médio juntos, mas, mesmo sendo inseparáveis, se afastaram por conta da faculdade. Ele foi para uma universidade em outro estado e acabou por fazer toda uma vida lá e vocês, mesmo sem querer, perderam contato. Tinha arrumado emprego, uma família e até tido um filho, mas estava de volta por conta de uma transferência do trabalho. Como o tempo foi razoável com ele e não mudou quase nada, aumentava ainda mais as lembranças dos tempos de coleguismo.

Você já teve aquele amigo que sabia de todos os seus segredos e vivia tanto na sua casa que sua mãe já considerava como filho? Então, o Edu era esse amigo. É uma daquela típica amizade que já não distingue casa, pois, de tão íntimo que a pessoa já é, se vê no direito de ele mesmo abrir a geladeira para pegar as coisas.

Então foi lá falar com ele e ver se ele lembrava tanto dos momentos da juventude tanto quanto você. Afinal, não é possivel que tenha esquecido dos melhores momentos de suas vidas. E, além disso, foram apenas quinze anos que se passaram. (Caramba, apenas quinze?). Quinze anos, mas com as memórias tão frescas que os fatos parecem ter acontecido há quinze dias.

Ele lembrava de você sim, e muito bem. Papo vai, papo vem, e as histórias engraçadas, como sempre, são revividas. Como aquela do seu primeiro beijo. Se lembra? O Edu estava lá. Aliás, foi ele que arrumou aquele "encontro" no recreio com a garota mais cobiçada da escola, regado à Coca-Cola e salgadinho, lá no parquinho das crianças, escondidos na casinha. Não dá pra esquecer.

Falavam da nova vida, dos passos dados e do que foi feito nesse tempo todo.

Os carnavais, as viagens e as furadas em que vocês entraram? Ah, como já fizeram besteiras juntos. Se aquela promessa de fazer silêncio nunca tivesse sido feita, daria para preencher a coleção inteira da Barsa só com os momentos que entraram em "frias". Isso sem contar do dicionário de neologismos, aquelas bobeiras que não cansavam de falar.

Tantos momentos relembrados em pouco tempo de conversa, chega a hora da partida. A conversa dura até na fila do caixa e, após pagar a conta, confessam "sem jeito" que o bate-papo poderia ter perdurado mais e prometem combinar de marcar alguma coisa com mais calma e, aí sim, relembrar todos os momentos. Os melhores momentos de suas vidas. Depois saem ambos de cabeça erguida cada um pro seu lado, com um sorriso que só quem já teve uma amizade dessa pode ter, e pensando: "Pô, esse sim é um cara bacana".

Um tempo de caminhada, eis que você se dá conta da burrada e diz: "Cacete, esqueci de pegar o número dele! Tomara que ele tenha Facebook."


André N. Bueno

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Conversa de Casal

Era noite e Fernanda chegava do trabalho. Visivelmente cansada, estava a semana inteira preocupada com a falta de diálogo com o Luís, seu marido, o que a fez chegar em casa já enfurecida, soltando fogo pelas "ventas". Por coincidência, encontra o dito cujo sentado à mesa e, obviamente, já o metralha com um monte de questionamentos:

- Luís, o que está acontecendo com a gente? É sério, estou começando a ficar preocupada. Eu chego em casa todo santo dia e encontro você aí nessa cadeira, olhando para essa porcaria de televisão e zapeando todos os canais com essa porcaria de controle remoto. Toda vez é a mesma coisa. A gente não conversa mais. Nunca mais. Nem uma palavrinha sequer. Como pode isso?

Só para sua informação, eu li num livro desses aí que as mulheres precisam falar sete mil palavras por dia. Ouviu? 7000 palavras. Nosso caso está tão sério, mas tão sério, que se a gente conversa umas três frasezinhas por dia já é muito. Se nossas conversas fossem sexo, seria como naquelas vezes que a gente... que você... bom, deixa isso pra lá.

E mais. Nós somos casados, Luís. Ca-sa-dos. Não é só fidelidade que eu preciso. Também preciso de atenção e carinho. Preciso de alguém que pergunte como foi o meu dia. Que me diga palavras bonitas sem eu precisar dizer nada. Nos nossos votos, prometi ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos separe. Mas não me lembro em nenhum momento de ter prometido ser fiel no "silêncio e na falação".

Eu tô falando de verdade. Se eu falei isso sem notar, no "calor" do momento, vou ter que ir àquela igreja pra ter um papo sério com o padre e tentar desfazer isso. Aliás, acho que vou fazer isso mesmo, viu. Pelo menos, na pior das hipóteses, ele vai me escutar, né. Luís, ô Luís, você tá me ouvindo?

É, sério... acho que se isso continuar, vou começar a fazer uma greve de sexo e...

(Fernanda é interrompida abruptamente por Luís antes mesmo de terminar sua fala)

- Tá bem, amor, eu converso com você... só espera eu terminar de jantar.
- Ah, agora também não quero mais não, já falei demais.


André N. Bueno
@dedenb

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Amor à Primeira Vista.

Nossa, me sinto como se essa fosse a primeira vez que me encontro com você. Opa! Mas não é que esse é nosso primeiro encontro mesmo? Brincadeira, eu não esqueci dele não. Aliás, eu lembro disso a todo momento e sofro por antecipação. Até tento esquecer um pouco para continuar fazendo aquelas coisas chatas do meu dia a dia, em vão. É exatamente quando aquele friozinho na barriga aparece para me lembrar. Me lembra que tenho relógio e me obriga a ficar contando as horas para um dos momentos mais - senão o mais - esperados da semana, ou do ano, ou da vida. Da minha, pelo menos. Eis que surge a aflição da tal primeira impressão.

Será que você vai gostar de mim de primeira ou vai me achar metido? Poxa, muitas pessoas já disseram que de primeira me acharam um pouco metido, mas depois voltaram atrás. Será que nossos gostos vão bater? Gosta de filmes? Eu sou fanático. Me acompanha em todas as vezes que for? Prometo que compro a pipoca e guardo seu lugar quando precisar ir ao banheiro. Pra que time você torce? Droga, você não torce pro Vasco? Tá tudo bem, eu também não sou fanático por futebol. Será que meu papo vai ser interessante para você? Se ficar com sono me fala que eu compro um café. Não liga muito não, tá? É porque eu estou mesmo um pouco nervoso. E, quando nervoso, fico fazendo essas piadinhas sem-graça mesmo. É quase minha válvula de escape.

Desculpe pela chuva de perguntas. O fato de ser de perguntas também não ajuda em muito, mas é porque realmente queria saber mais sobre você. Saber onde mora, o que gosta de fazer e se posso fazer tudo isso contigo. Queria saber se você vem sempre aqui (Essa cantada, sério?). Não, não, dessa vez nem tô falando dela não. E estou um pouquinho envergonhado para fazer qualquer abordagem desse tipo. Mas gostaria de saber mesmo. E que horas que chega aqui? Prometo que na próxima vez colocarei a minha melhor roupa e pegarei revistas para decorar suas frases mais bonitas. O que estou falando... Sei que quando estiver me aproximando vai me dar um branco daqueles e vou começar nosso papo de novo com aquele sorriso amarelo de timidez. Perto de você sou quase uma criança se escondendo atrás da saia da mãe.

Minha timidez pede desculpas. Eu costumo falar bem. Muito, até, mas hoje estou contendo a minha língua. Deixar você falar um pouco mais hoje é a minha tática para tentar te deixar à vontade. Conhecer o seu jeito é a melhor forma de eu planejar o meu próximo passo. Saber o que dizer sem dar com a língua entre os dentes. Te deixar sem graça para então elogiar o seu sorriso e saber quebrar o gelo na hora que citar o "ex". No entanto, para um próximo passo, é preciso que eu não saia da direção certa, entende? Essa minha primeira impressão talvez seja a minha única chance de impressionar.

Não quero perder oportunidade nenhuma que a vida me dá. Dizem que as coisas não vem por acaso e nem precisam ter razão ao acontecer. Confesso que eu não estou aqui por acaso e com certeza você também não passou por mim por alguma razão específica. Era pra ser assim: Minha timidez com sua beleza e meu silêncio para um possível e futuro passo (Isso é, se minhas pernas pararem de tremer) de mãos dadas. Sei que parece ser muito abuso - eu também acho que é -, mas, mesmo depois de tudo isso, me deixaria fazer uma última pergunta? Você acredita em amor à primeira vista? Pois é, acredite. Eu também não acreditava até hoje.


André N. Bueno

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Ah, se meu travesseiro falasse.

Uma certeza que tenho: se meu travesseiro fosse gente, não há dúvidas de que morreria de vergonha dele. Já foi cada cena presenciada. Foram tantas confissões, declarações ultra-sigilosas, orações sinceras, choros escondidos, sem contar nos pensamentos despretensiosos, que são incontáveis. Dá para falar com propriedade que se melhor amigo é aquele que te consola e que passa os momentos mais singulares da sua vida, eu sou o melhor amigo do meu travesseiro.

Ele é um amigo estranho, confesso. Meio caladão, não costuma falar muito sobre as coisas da vida, não está muito antenado com os acontecimentos do mundo e sequer sabe quem foi o vencedor do último campeonato brasileiro ou do último BBB. Mas eu não reclamo, afinal nem sempre os que mais falam são os que tem os conselhos mais sábios. Em compensação, ele é um excelente ouvinte. Pra falar a verdade, nunca vi ninguém ouvir tão bem quanto ele, e sabe o porquê? Por que ele afaga enquanto te ouve. E se tivesse mãos, com certeza também faria cafunés.

Afagos, cafunés, consolos e confissões. Algo estranho acontece. Essa amizade está caminhando para outro lado, e a marcar território. Não é difícil perceber isso. Não é mistério pra ninguém: amigo escuta, mas zoa; consola, mas briga; atura, mas fica bravo. Amigo não consente suas opiniões facilmente, porque tem o direito e o dever de discordar. Isso não parece amizade. Mais parece um jogo de batalha naval.

Algo peculiar é sua aparência. Costuma ser 8 ou 80, não tem meio termo. Isso me atrai bastante, porque odeio tudo que é frequente e comum. Odeio rotina. E, mesmo sendo muito pálido, ou costuma se vestir para um réveillon, todo de branco, ou para um show do Calypso, uma miscelânea de cores com estampas esquisitas. Um detalhe importante: sempre amarrotado. Olho pra ele e noto que não está nem aí, e que nem se importa com isso, pois está bem com o que ele se propõe a ser. Me ensina que não importa o que existe por fora. O que tem fora é casca; rasga, suja e, por isso, torna-se totalmente substituível. Totalmente diferente do que há por dentro, que vicia e cria dependências físicas e psicológicas mais fortes que qualquer alucinógeno existente por aí. E de graça, praticamente.

A dependência é um tipo de sentimento. Não é nada pequeno, muito pelo contrário: é bem forte e às vezes se confunde com amor. O primeiro encontro é fundamental. Se bateu a química, já era. Vai abraçar, agarrar e dormir junto todos os dias, e com a certeza de que não seremos traídos. Ou você acredita em traição por parte de alguém que te leva pra cama todos os dias e espera ansiosamente a sua volta, e com seu cheiro? É uma tara. Sem dúvida o mais ninfomaníaco dos objetos. Um exemplo clássico de fidelidade feudal.

A partir do momento em que sabe todos os meus segredos, seu conforto se torna desconfortável. Seus ensinos e sua intimidade e meu cheiro, todos juntos num mesmo lugar. Seu princípio de amizade e seus acertos desconcertantes. Todos os ensinamentos e suas singularidades comigo. Todos os momentos juntos e juntos num só momento. Sua vontade de estar comigo em todos os lugares, a todos os instantes. Se meu travesseiro fosse uma pessoa e falasse, eu ficaria com dores de cabeça e frios na barriga, e eu nunca ficaria deitado, pois estaria de joelhos.


André N. Bueno

@dedenb

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Só pode ter sido aquela oitava onda.

Não tem outra explicação, só pode ter sido aquela oitava onda (considero como onda, mas mais parecia uma marola) pulada sem querer. Digo isso porque as superstições de final de ano são tratadas como um ritual aqui. Tudo é separado em 7, nem mais, nem menos. É feito um check-list "anti-azar" ao melhor estilo preparado pelas avós quando você vai viajar: roupa branca, champanhe, pulseirinha do nosso Senhor do Bonfim, 7 uvas, 7 caroços de romã (romã, cara. Quem costuma lembrar da coitada da romã no ano novo?), chinelo fácil de ser retirado para pular as 7 ondas na praia e a famosa lista de metas para o ano seguinte. Não tinha como dar errado.

Reunião básica com os melhores amigos e alguns membros da família. Ceia farta com muito arroz de lentilha (não podía dar uma chance ao azar em nenhum momento). Celular em mãos para mandar torpedos e fazer ligações aos mais próximos que estavam longe. Uma eterna espera para quinze minutos para meia-noite, quando todos vão para perto da praia esperar os fogos e pular as ondas. Deu meia-noite! Vários abraços, champanhe e milhões de superstições trazendo sorte. E mais champanhe, obviamente, para conseguir pular aquelas ondinhas sem ressentimento. Perto do mar é como se estivesse dentro dele, ou talvez seja o próprio. É o local que a paz aparece de fato: conversas consigo mesmo e definição das metas, orações e desculpas pelas faltas no ano que se passou e, em muitos casos, finalizar tudo com a excelência de 7 ótimos pulos. Cada pulo, um suspiro. Levemente embriagado pelo champanhe - e pelas diversas coisas que tinham na casa -, fui pulando e me divertindo, até que perdi a conta e pulei a oitava onda. E foi aí que abri a janela para que as coisas pudessem dar errado.

Com aquilo que não saía da cabeça de jeito nenhum, uma providência foi tomada: o início das atividades do ano. Um janeiro semi-morto, meio zumbi, totalmente distante de tudo o que foi planejado: resumido em internet e noites regadas à cerveja (o que não considero de todo ruim). Um início em um emprego desgostoso e uma corrida contra o tempo, cheia de riscos e coisas que tinha medo. Nem preciso dizer que o emprego não durou 30 dias, não é? E nem eu nele. Incompactibilidade de genes. Não tinha dúvidas que não havia nascido para aquilo. A química do amor não bateu, como diriam os românticos. E fui correr atrás do amor platônico.

Ah, o amor platônico. Outro ponto fundamental e inesquecível que a oitava onda, a maldita, proporcionou ao meu ano: transformou todos os meus amores em amores platônicos. E não foram poucos não, viu? Com convicção, posso dizer que me apaixonei pelo menos umas 7 vezes (número cabalístico?) por essas pessoas perfeitas demais para me enxergar. Mas eu não ligava. Fazia vista grossa e inventava alguma doença neles para justificar o ato, tal como miopia, hipermetropia, presbiopia ou até mesmo uma queda despretensiosa de olho na pia, vocês sabem como é. Só sei que nada deu certo, e acredito que muitas das vezes, senão todas, foram por minha causa - ironicamente eu prestei muita atenção. Óbvio que não propositalmente. Mas acho que assim como existem pessoas perfeitas demais para te enxergar, existem pessoas perfeitas demais em te colocar um cabresto, ou te cegar também. Tudo é justificável para amenizar o resultado.

Mais do que desiludir profissionalmente e cegar emocionalmente, uma mísera onda conseguiu tirar a percepção das coisas. Totalmente (foi só para rimar com o resto dos fatos). É com uma seriedade fora do comum que pergunto se foi só o meu ano que passou em 1 mês. O ano voou, as tarefas tiveram seus prazos encurtados e o que foi bom também precisou ser mal aproveitado por conta disso. Talvez não digo que foram "mal aproveitadas", mas aproveitadas de forma muito, mas muito mais rápida, assim como todas as coisas boas que a vida nos proporciona. A gente fica mais velho e a rotina nos envelhece mais ainda. O que é bom é ínfimo diante da chatisse rotineira. É por isso que deveriam durar um pouquinho mais. Só um pouquinho mais já tá bom.

Injustiças deixadas de lado, os benefícios que vieram devem e merecem ser comentados sempre. A sagacidade das coisas me ajudou numa coisa: a não perder tempo com coisas que realmente não esteja afim. Não digo que me ajudou a escolher o que é bom ou o que é certo pra mim, mas sem dúvida ajudou a lutar pelo o que eu quero. Ou seja, a onda me ajudou a quebrar a cara mais vezes no ano, mas nisso eu conheci pessoas novas, tive novas experiências e saí constantemente da minha zona de conforto. No platonismo pude ter várias chances de descobrir pessoas novas e redescobrir as antigas, o que foi mais do que único. Pude gostar mais e melhor das pessoas, e aprendi muito com isso (e acho que também entrei num processo de alcoolismo, mas deixa isso pra outra hora). Com o trabalho fracassado, eu consegui descobrir no que eu era bom. Talvez não descobrir, mas confirmar. Talvez não confirmar no que eu era bom, mas confirmar no que eu quero ser bom. Enfim, o tropeço me colocou novamente na linha e a queda me jogou para frente. E sei como devo continuar seguindo.

Foi um ano intenso, cheio de problemas e aprendizados (que sempre andam de mãos dadas), e um deles virou mandamento: Não se embriague de champanhe antes de pular as 7 ondinhas. Se não conseguir não se embriagar, não passe o reveillon na praia.

Acatei e vou passar num sítio.
Feliz Ano Novo.


André N. Bueno